1.2.11

Da fábula da vida


Sentiu o toque no rosto e de instinto tentou abrir os olhos para atender, mas a luz feriu a visão. Tentou mais uma vez vencer o clarão. Desistiu. Sentiu de novo o toque e também um arrepio de frio, como se o ar do lugar o envolvesse e nele se aconchegou. Mais uma vez o toque na face e os olhos ainda se protegiam da luz. O peito reclamou em dor: faltava-lhe ar. Mais uma vez o rosto foi tocado e ouviu um barulho, sem conseguir decifrar o que era. Alguém chamava.
“Psiu... psiu...”
Direcionou a cabeça ao som, mas parecia atordoado, talvez pela luz em excesso e o ar em falta.
“Acorda menino...”
Abriu a boca na tentativa de aspirar o máximo de ar possível e sentiu a maior dor que haverá de sentir na vida. Como se um soco lhe tivesse atingido o diafragma e a dor explodiu pelo corpo. O diafragma saltou num espasmo e o pulmão encheu de ar e então chorou, um choro seco, doído, intenso.
“Isso menino”.
E descobriu a vida e o carinho nos braços da mãe.


Imagem de autoria desconhecida.

3 comentários:

Márcio Bergamini disse...

"Sentiu um arrepio de frio, como se o ar do lugar o envolvesse e nele se aconchegou." Nele quem?

We have a problem.
Eles choram, não pq o ar lhes falta, mas pq lhes entra no peito, rasgando as vias e expandindo os pulmões. Se os colocarmos numa bacia d'água e os mantivermos ligados ainda à mãe pelo cordão, vivem algumas horas... Há partos em piscinas ou banheiras, ou coisa assim.
A ideia é boa, entretanto é sutil. Nascer nunca é sutil. Nascer é a primeira grande violência que sofre a criatura. A vida é sempre incrustida no ser à sangue e dor.
Por outro lado, o ambiente de ternura da mãe é interessante. Talvez uma escrever com a visão dela, pro sentido q me pareceu q vc quer, seja mais interessante.

=]

L. disse...

Gostei muito do modo como escreve.
Parabéns.

Guss disse...

Nele quem? No ar.

Eu compreendi a ideia e gostei de ter visto esse momento por um lado que não havia imaginado.