26.4.10

A rosa e o perfume


Julian Gasmar fitava o vaso; já não havia mais a escora e a rosa, mas a terra estava molhada; pois lhe deitara água o botânico. Ele sabia que tinha de preparar o vaso para a nova flor, mas lhe doía a certeza de não ter conseguido salvar a rosa. Dor que lhe varava o corpo e alma e o purgava em frustração. Tantos dias cuidando daquela flor, tantos dias regando, tantos dias adubando, tantos dias resguardando-a do sol e ainda assim ela morreu.
Dela, restou apenas o vaso com terra. Não guardou sequer uma pétala ressequida. Porém, percebia seu perfume nas horas mais neutras do dia; de soslaio, sentia a presença da rosa à janela; de descuido, enchia o copo de água. Em seus olhos, via-se o luto.
“Deves esquecê-la, Julian”, disse o botânico.
“Difícil não é esquecer; difícil é sempre lembrar”, respondeu Julian Gasmar.



Imagem de Peter Andrews.


19.4.10

Coração


Quando seu coração despedaçou, levou tempo para reconstruí-lo. Mas foi ela quem, calidamente, colou o último pedaço.

Imagem de autoria desconhecida.

10.4.10

Altar-mor


Dentro de si havia uma galeria, com espaço de destaque para as pessoas de que gostava. Distribuiu todos como santinhos em altares e era a eles que se curvava em devoção. Pois sabia que guardava um tiquinho de cada pessoa e se edificara pelo que elas o fizeram ser. Mas havia um cantinho, não mais nem menos importante, onde estava o altar-mor, destinado ao seu amor; e, embora tivesse a imagem nas mãos, alguma coisa o atrapalhava de colocá-la li.



Imagem de Archerphoto.


5.4.10

De aura dourada


A graça é essa, menino, as pessoas não nascem aparadas, assim terminadas. Todos os dias temos algo para alinhavar, um ponto a refazer, você tem que saber isso. É isso que faz a boniteza das pessoas, é essa a graça de viver, né’não? E não existe receita, não há como a gente saber que é hora de parar pra remendar uma ponta solta, para destruir e reconstruir; é o tempo todo esse cá e lá... Dizem que as pessoas da nossa vida ajudam a terminar a gente, a nos deixar assim bem feitinho... Talvez um pouco sim. Mas quem arruma a gente, quem nós faz bonito, de aura dourada, luminoso, grandioso, é aquela pessoa que sabe que terá que tentar várias vezes e mesmo não conseguindo vai persistir em nos deixar assim, vai nos lapidar como se fossemos sua jóia mais precisa. Quando você, menino, achar alguém por quem vai querer fazer isso tua vida toda, sem pestanejar, esteja certo que encontrou seu amor.


Imagem de Photodude (detalhe).