17.11.09

Da princesa que se salvou do vilão


Conta uma história que há muito tempo, nas terras próximas ao reino das mil léguas havia outro reino e nele vivia uma princesa mui bela. Não havia homem que a ela olhasse que não cuidasse de se enamorar, por mais que rogasse a Nosso Senhor para não cair em paixão.
E essa princesa foi prometida em casamento ao herdeiro do reino do oeste, que distava demasiado longínquo. Mas era el-rey do oeste de tão alta honra e estirpe que honraria se aprazaria ao rei que sua filhasse o esposasse.
A princesa foi colocada num navio, que cruzou viagem pelos mares, rumando ao reino do oeste. Porém era de tão má índole o diabo, que invejando a felicidade da princesa e seu pai, no meio do percurso, tornou o tempo em tormentas e o mar agitado e a princesa e seus séquito temeram a morte. O diabo desviou o trajeto e levou-a para outras terras, muito mais distantes e perigosas.
Quando o mau tempo dissipou-se, o navio da princesa estava atracado numa terra que ela supôs ser uma ilha desconhecida. Chamou por um dos seus, mas não a atenderam. Haviam todos mortos. A princesa desembarcou e encontrou uma trilha; tomou o caminho e depois de perder a conta de quantas léguas caminhou encontrou uma taberna.
Após alguns dias em viagem e caminhando, a princesa tinha fome e por isso adentrou a taberna e pediu ao vilão que ali atendia por uma refeição. Enquanto ceava, reparou quão belo era o vilão, mas penalizou-se em pensamento porque estava prometida a el-rey do oeste e não cabia a uma dama comprometida olhar a outros homens. Quando terminou, fez menção de retirar-se, mas o vilão cobrou-lhe a refeição. Foi que realizou de que não trouxera consigo providências. Sem ter como pagar-lhe, o vilão sugeriu que ela o servisse de algum modo. Recusou; não cabia a damas da sua honra servir a vilania.
O vilão, porém, douto de que a princesa havia admirado sua beleza, usou de sagacidade:
“Mui bela senhora, se não me pagares haverei de ter minha honra atingida. E só poderei compensar a mim se também tiver a tua honra”, disse-lhe o vilão.
“Meu bom vilão, o que me pedes é deveras ultrajante. Jamais poderei pagar um prato de comida com minha honra que já é prometida a meu senhor el-rey do oeste”, replicou a princesa.
Ouvindo isso, o vilão avançou para cima da princesa e encurralando-a sem escapes, tomou por bolinar seu corpo e despiu-se na intenção de desonrar a donzela. Ela, sem ter a quem clamar, invocou o nome de Nosso Senhor e persignou-se. Nesta hora, o vilão urgiu em agonia e de seu corpo eriçaram pelos grossos, e seus olhos ficaram vermelhos e seus dentes pontiagudos e seus pés forcaram-se como os de um bode e seu corpo exalava enxofre e saiu disparado, porque diante do nome de Nosso Senhor nada pode o diabo.


Imagem de autoria desconhecida.

2 comentários:

Alexander José de Freitas disse...

Sinceramente, sei lá como vai entender esse comentário, mas alguns de seus contos parecem com os escritos de autores daqueles livrinhos chamdos "Sabrina", confesso preferir os que você escreve em outro estilo, sou mais chegado à Machado "do que" Sidney Sheldon!

lucas gandin disse...

Alexander, o blog é um veículo leve e de experimentação. Claro q sairão os contos machadianos e tambem os sheldonianos. Não me preocupo com isso. Este conto da princesa foi um teste. Se vc consultar a literatura medieval verá essa história reproduzida de várias formas: no círculo arturiano, nos fabliaux frances, nas lendas ibéricas, em Chaucer, em Boccacio. Pode à primeira vista parecer um conto bobo, mas há nele pelo menos 700 anos de tradição.
Se vc ler o debaixo, encontrará um viés moderno, um estilo mais curto, uma temática mais contemporânea na qual a sociedade é um ranço de algo que já foi. Nele há um retrato mais contemporâneo e profundo. "A mariposa" é bem metafórico, inclusive indiquei minha inspiração.
Não acho que seu comentário tenha sido depreciativo. Vc deixou claro a questão da preferência. Apenas quis explicar porque os contos publicados aqui são como são. E esteja certo de que vc verá muitos contos "Sabrina" aqui. É deles que eu chego aos "Machados".