25.4.08

Nua solidão


Diante do espelho tentava se enxergar, mas sua imagem nada mais era que uma projeção do seu eu, um reflexo turvo que escondia suas angústias numa máscara serena e ligeiramente feliz.
Olhar seu reflexo, era ludibriar-se que a vida era possível, de que a presente solidão era sua companheira das horas neutras da madrugada e de que o sorriso torto estampado na cara espelhava-lhe o mundo que queria que fosse.
Aquela imagem, dalgum modo desconhecido por ele, refratava seus amores sofridos, desilusões, os desejos reprimidos e a tristeza humana recolhida em si. E os dias se lhe somavam, construindo a realidade projetada numa imagem de si.
Mas houve o dia em que não viu sua imagem no espelho; não se sabe como, seus olhos voltaram pra dentro de si e ele viu-se tal qual era: angústias escondidas, amores sofridos, desejos reprimidos e tristeza recolhida. Olhar toda sua desgraça humana fez ruir sua realidade projetada, conhecer-se foi talvez sua pior consciência e o prenúncio da sua anulação: ver-se o certificou de que não era e de que nunca foi.
Quando conseguiu olhar-se no espelho novamente, percebeu que estava imerso num vazio e sua imagem pouco a pouco se desfez em nua solidão.


Imagem: Tire Swing, de Kathleen Connally.

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