16.5.10

Carta de Nuno Thales da Hora a Julian Gasmar (2)


Sei que esta será mais uma correspondência sua sem resposta; aliás, elas já se somam dezessete. E serei breve. Não há como se apartar deste mundo, de um modo ou de outro estamos nele. Mesmo depois da morte, há sempre alguém a nos prender aqui. Não é culpa sua, não há como se proteger... de repente todos ficaram maus, como se o fogo interior houvesse apagado.
Todos seguem ao precipício tal as manadas e vão-se empurrando uns aos outros, derrubando ladeira abaixo os que estão a frente, até que o último bastião caia. Talvez a única saída seja caminhar ao oposto dessa manada. Do contrário, ambos cairemos.
Já se foi o tempo da inocência, já se foram os dias da condescendência, já se foram as horas da complacência. Tudo ficou tão cinza e frio. O pior que este fim se insinuava a nós, mas pouco pudemos fazer.
Julian, esta é uma caminhada solitária, tu tecerás tua rota e eu a minha, mas creia: chegaremos ao mesmo porto; o único lugar que nos sobrou. Seja qual for nossos rumos, o final deles será o mesmo. Mas durante o andar, só há uma coisa que sugiro fazer: cega-te, para que, vidente, deixe de ver o que não quer enxergar.


Imagem de Snap (Mixed Media)


2 comentários:

Luíza disse...

Nem parece mais seu blog. Acabaram os textos com aquele português entruncado, um tanto ultrapassado e difícil de ler. Agora está tudo moderno, texto limpo, flui. Fantástico, hein? Vou voltar.

Márcio Bergamini disse...

Partir cego como Édipo. Seria uma solução para a condescendência do destino? A Ventura exige bem mais que pesadas penas para o expurgo dos pecados que acontecem, não que cometemos. Tudo é fato.