21.2.08

O fantasma da infância


Quando acordou, ainda de madrugada, encontrou o pai dormindo sentado na poltrona, cabeça de lado tombada no encosto. Aproximou-se devagar, segurou a respiração e cravou o fio da faca na sua garganta, cortando-a lentamente. O sangue esvaiu rápido, não jorrou, mas escorreu forte o suficiente para sujar sua mão e parte do braço.
O pai agonizou, estrebuchou em espasmos, mas não conseguiu reagir, ele pensou tê-lo visto gritar, mas não havia como a voz escapar-lhe da boca. O pai abriu os olhos e encarou-o, num olhar ameaçador e ele sabia que era de fato uma ameaça e por isso cravou a faca mais forte, provocando no pai o último espasmo de vida. Vida esta que se foi rápida, como planejada.
Sentiu prazer, prazer em sentir o sangue escorrer por seus dedos, por ver o pai sem reação, encurralado e desprotegido. Sentiu prazer em provocar-lhe a morte, em escutar o rangido da faca nas artérias e na faringe, em escutar inaudível e abafado o grito de socorro. Não teve piedade, nem complacência, que eram dos fracos, mas o olhar ameaçador do pai lhe incomodou.
E lembrar-lhe, do pai lhe encarando segundos antes de ficar inconsciente e morrer, incomodou-o e o perturbou; encolheu-se num canto da sala e recolheu seu prazer, resignando-se: amanhã teria de matá-lo de novo, o seu fantasma da infância.

Imagem de iNeedChemicalX.

0 comentários: