18.1.08

A boca e o pescoço


Conta-se que há muito tempo havia uma boca peralta e solitária, que perdia seus dias a vagar sem rumo e numa de suas andanças ela encontrou uma curva, uma ligeira curva que nunca havia avistado antes.
Achegou-se devagarinho, encostou seus lábios e percebeu se tratar de um pescoço, naquela parte que horrivelmente foi chamada de cangote, e ali sentiu um calorzinho aconchegante, mas peralta que era, essa boca contraiu-se num biquinho e assoprou.
Assim nasceu o arrepio que mais danadinho ainda saciou por aquele pescoço, arrepiando os pelinhos mui diminutos e eriçando a pele e, embestado, correu pela coluna, descendo em rodopios.
Porém, o pescoço assustou-se, quem era aquele que lhe provocava aquela sensação de torpor? aquele gostoso e inquietante formigamento? e que ousou invadir-lhe o resto do seu corpo assim sem consentimento? Indignado virou-se para que os olhos pudessem flagrar o abusado. Eis que ao virar, mui bruscamente, os olhos viram-no e os lábios encontraram aqueles lábios ousados e quando intencionou protestar, calou-se, porque as palavras não vieram. E do encontro dos lábios, tão pertinhos, tão juntinhos, quase colados, cresceu a vontade, feito bolo em forno quente, e da vontade nasceu o beijo, beijo buscado pela boca peralta e que também saciou arrepios no pescoço.


Imagem de autoria desconhecida.

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