16.11.10
Desaparecida
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26.10.10
A rosa e a canastrinha
Emília era criança demais para se dar conta de que a canastra era mágica. Guardou a tesourinha de uma perna só e, quando a pegou de volta, ela tinha as duas pernas; o relógio estragado soou o despertador horas depois de ter sido colocado na canastra; a bonequinha rasgada saiu dela costurada. Até a conchinha quebrada que Emília acabou de guardar irá se refazer.
Para onde ia, Emília carregava a canastrinha. Guardava e tirava dela as brincadeiras inventadas. Estava sentada na calçada em frente de casa, quando uma forte brisa lhe trouxe uma figurinha, daquelas que vem com as balas de cereja. Era um desenho que Emília não entendeu direito e havia algo escrito, mas a menina não sabia ler.
Uma brisa mais leve desviou seu olhar para um pontinho vermelho que rolava pelo chão. Emília levantou-se e vou atrás dele, tentou pegá-lo algumas vezes, mas a brisa sempre o empurrava para mais longe. Quando conseguiu, não soube distinguir ser uma pétala, apenas percebeu sua maciez e guardou-a na canastrinha. De repente viu outro ponto vermelho pairando no ar. Pulou uma, duas vezes e na terceira conseguiu pegá-lo: era outra pétala. E assim foi pegando todas as pétalas que vieram com o vento.
Voltou a sentar no chão e abriu a canastra para contemplar todas aquelas pétalas, que faziam uma espécie de tapete vermelho na caixa, que envolviam os outros tesouros que ali guardava. Distraída, não viu um rapaz passar por si; também não viu desprender das mãos dele uma pétala vermelha. Quando a notou, correu pegá-la e fitou, mais à frente, a rosa jogada; nela a última pétala. Mirou o rapaz, que já ia longe.
Emília sentou-se ao chão, tomou a rosa e cuidadosamente guardou-a na canastrinha. E então correu, com toda a velocidade que suas pernas conseguiram alcançar, correu com a única certeza de que alcançaria o rapaz. Quando chegou nele, tocou em sua mão, chamando-lhe a atenção. Abriu a canastra e tirou a rosa, inteira, robusta, bonita e cálida e disse, entregando-lhe a flor:
“É tua rosa, Julian... e dela precisas cuidar”.
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26.9.10
Ele
a sua boca se encaixa perfeitamente na minha.
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29.8.10
Construção
Assim que terminou o almoço foi a um telefone público e ligou para casa:
“Chego aí amanhã cedinho”, avisou.
Empolgou-se; o coração, feliz. Colocou o telefone no gancho. E de ímpeto, atravessou a rua, sem ver o ônibus biarticulado que vinha.
A ironia é que ele se chamava Natalício.
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20.8.10
Alucinação
Ainda me pergunto como conseguiu se espremer no pouco espaço que havia; de tanto dormir sozinho fiz do vazio um canto suficiente para mim. De tanto esperar por alguém, deixei de ficar acordado esperando a tua chegada.
Mas você veio, do longe desconhecido e eu não te recebi. Deliciosamente, você se achegou em meus braços, invadindo o lugar reservado que roubei de você. Teu calor aquiesceu meu coração e tive a certeza de que você veio para não partir.
Às vezes penso que estou atordoado, dopado com algum elixir exótico, que tua presença é uma sublime miragem, que o teu toque é algum efeito misterioso. Prefiro assim; prefiro tua presença inventada à tua ausência verídica. E espero que você tenha trazido mais deste elixir, porque deste efeito alucinógeno quero não acordar.
Imagem de autoria desconhecida.
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13.8.10
A rosa e o jardim
Olhou ao redor certo de que havia apenas ele por aquelas bandas; ninguém mais de esgueira numa sombra qualquer. Estava ouvindo coisas, pensou. Mas não... logo a sua frente apareceu um velho, de óculos escuros e trajando o mesmo avental que o botânico usava.
“As rosas!”, disse ele. E apontou para sua direita.
Julian Gasmar acompanhou os dedos com o olhar e vi aparecer diante dos seus olhos um jardim imenso, coberto de rosas de todas as cores. Quando intencionou inquirir o velho, ele já havia desaparecido.
Caminhou em direção aquele jardim. De início não mensurou o quanto longe era e nem por que estava indo naquela direção. Apenas foi. Mas já caminhava por um tempo demais passado quando percebeu que o jardim parecia ficar cada vez mais longe. Começou a correr, na tentativa de vencer o tempo e avançar espaço; se pudesse correria mais que a velocidade da luz. E correu, tão chispado, tão veloz que quando parou já estava no meio do jardim, rodeado por aquelas rosas todas.
Fitou o seu redor, mirando quantas rosas pudesse e sorriu, imaginando que elas eram todas suas. Então ouviu o sussurro de novo: “as rosas!”. Procurou o velho e não o viu. E de repente as rosas todas começaram a desaparecer. De repente tudo que foi dito se sublimou, tudo que ele viu se desmanchou e tudo o que ouviu foi tão só a voz da brisa.
De teimoso, tentou assegurar ao menos uma rosa, mas esta petrificou e se desmanchou em cinzas. E o jardim voltou a ser a cidade que era antes.
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29.7.10
Pão repartido
“Não enche o saco”, respondeu embolando-se nas palavras.
“Me dá um pouco.”
Passa a garrafa.
“Ó, trouxe um pão”, diz ele.
Ela arranca um pedaço.
“O teu, cadê?”
“Só consegui um”.
Ela divide o pão ao meio. Oferece-lhe. Ele aceita.
“Vai dar pra enganar a fome.”
“Talvez a gente consegue mais depois.”
“A noite foi fria, né.”
“Foi...”
“Dorme abraçado comigo esta noite? Para espantar o frio.”
Ele assentiu.
“Mas é bom a gente arrumar uns papelões a mais.”
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20.7.10
Todos
Para lembrar minha infância, as loucuras do tempo de criança, é o Diego, as Anas (Lazier e Godinho), a Day, o Eder. Para lembrar a adolescência e aquele sentimento de irmandade, é o Bruno (Angeli), o Will, o Ítalo. Para lembrar os anos de faculdade, o Eduardo, Luíza, Fabiane, Juliana, Alexandro. Para lembrar os outros anos de faculdade, as conversas sobre sexo e as baladas, a Dri, a Fer, a Liza e a Val.
Para lembrar as noites literárias, as piadas internas e os grandes conselhos sensatos, meu amigo Carlos. Para os dias de desabafo e de riso solto, Rafael. A amiga poetisa: Fran. Para a amizade de futuro certo, de expressão sincera e dedicada, Gui e Mel, a dupla dinâmica. Para a confidência dos sucessos e infortúnios, Ana (Cichon) e Leandro, vulgo Shrimp. Clarissa, a eterna duplinha.
Aline, Cássia, Juliana (Blume), Luiza e Bruno (Calzavara) são as companhias certas, a risada divertida, as loucuras inventadas, a certeza da amizade no futuro.
Os amigos distantes: Vinicios, Osmar, Romulo, Caloan, Junior. O amigo literário: Gustavo. Os que chegaram agora, mas já ficaram: Cayo e Humberto e os mestrandos.
Os que a cada dia pensam em mim.
Os que me fazem feliz.
Os que calidamente edificam minha vida.
Os que me elogiam e criticam, me apoiam e pedem apoio, os que choram e riem comigo.
Os que constroem meu mundo.
Os que estão, para sempre, no altar-mor do meu coração.
Todos vocês.
Imagem de: http://troisiemeoeil.org/
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8.7.10
Meia rosa
Depositou a flor na mesa e caminhou até ela. Conferiu se os dois nós na corda estavam bem apertados. Acendeu um cigarro e esperou que ela acordasse. Nesse tempo, abriu o revolver e girou a roleta algumas vezes; tirou e recolocou as balas com meticulosa paciência. Pegou a rosa e ficou admirando a flor.
Quase três horas depois, ela despertou ainda atordoada da droga que ele lhe dera. Tentou falar alguma coisa, mas balbuciou inaudível. Quando fixou a imagem, a tanto custo, viu-o, brincando de engatilhar o revólver.
Tentou se levantar e correr e descobriu que estava amarrada à cadeira.
Gritou. Alto.
Ele empunhou o revolver, encostou-o em sua testa, engatilhou-o e lhe acariciou seu rosto com a rosa.
Ela gritou. Agitou a cabeça.
“Por que?...”
Ele passou a rosa no sobre seu lábio e disse:
“Tu, amor, me mataste primeiro”.
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30.6.10
Balões
“Será que vai ter balão vermelho?”, perguntou.
“Talvez...”, respondeu a mãe sem muito prestar atenção à pergunta.
No trajeto, o garoto encheu um saco plástico com a boca e atou uma fita de modo a ele ficar igual a um balão. Com umas das mãos, fazia-o flutuar. Porém seus olhos refletiam um balão muito maior, mais bonito e que ganharia o ar por si só.
Estava feliz, não continha em si essa alegria simples posto que em pouco tempo ela alçaria voo com o balão.
Ao chegar ao parque, viu várias crianças, cada qual com seu balão que coloriam de todas as cores. Inclusive de vermelho. Mas não enxergava onde os balões estavam sendo distribuídos. Varreu com os olhos todo o parque e nenhum sinal da máquina de inflar balões. Ela tinha de ter estar em algum lugar; o tempo todo mais e mais crianças chegavam e ganhavam seus balões. Correu todos os cantos, conferiu por detrás de cada arbusto, enfiou-se em cada aglomeração; nenhum sinal dos balões. Estes, apenas os que todas as crianças seguravam em mãos, menos ele.
Quando todas as crianças foram embora, ele avistou ao longe a máquina de inflar balões. Correu até ela, mas não encontrou que os pudesse encher. Inspecionou a máquina e descobriu como fazê-la funcionar. E encheu os balões; quase uns cem, era difícil contar. Amarrou cada um em uma pedra e os esparramou pelo gramado.
Na certeza de que não teria com quem brincar, estourou um a um, porque, de raiva, aqueles balões jamais ganhariam o céu.
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23.6.10
Do maior tamanho do mundo
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13.6.10
Companhia
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21.5.10
Assalto
– ... limpando a unha.
– Com a faca? Tá é louco? Guarda isso, pô; tá chamando atenção.
– Não tem uma alma na rua com esse frio.
– Mas também não precisa ficar exibindo a arma.
– Falando em frio, me passa o conhaque.
– Quanto tempo ele vai levar para acordar?
– Não sei, mas no carro sei que este aí nunca mais vai dormir.
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16.5.10
Carta de Nuno Thales da Hora a Julian Gasmar (2)
Sei que esta será mais uma correspondência sua sem resposta; aliás, elas já se somam dezessete. E serei breve. Não há como se apartar deste mundo, de um modo ou de outro estamos nele. Mesmo depois da morte, há sempre alguém a nos prender aqui. Não é culpa sua, não há como se proteger... de repente todos ficaram maus, como se o fogo interior houvesse apagado.
Todos seguem ao precipício tal as manadas e vão-se empurrando uns aos outros, derrubando ladeira abaixo os que estão a frente, até que o último bastião caia. Talvez a única saída seja caminhar ao oposto dessa manada. Do contrário, ambos cairemos.
Já se foi o tempo da inocência, já se foram os dias da condescendência, já se foram as horas da complacência. Tudo ficou tão cinza e frio. O pior que este fim se insinuava a nós, mas pouco pudemos fazer.
Julian, esta é uma caminhada solitária, tu tecerás tua rota e eu a minha, mas creia: chegaremos ao mesmo porto; o único lugar que nos sobrou. Seja qual for nossos rumos, o final deles será o mesmo. Mas durante o andar, só há uma coisa que sugiro fazer: cega-te, para que, vidente, deixe de ver o que não quer enxergar.
Imagem de Snap (Mixed Media)
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4.5.10
Fragmento
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26.4.10
A rosa e o perfume
Julian Gasmar fitava o vaso; já não havia mais a escora e a rosa, mas a terra estava molhada; pois lhe deitara água o botânico. Ele sabia que tinha de preparar o vaso para a nova flor, mas lhe doía a certeza de não ter conseguido salvar a rosa. Dor que lhe varava o corpo e alma e o purgava em frustração. Tantos dias cuidando daquela flor, tantos dias regando, tantos dias adubando, tantos dias resguardando-a do sol e ainda assim ela morreu.
Dela, restou apenas o vaso com terra. Não guardou sequer uma pétala ressequida. Porém, percebia seu perfume nas horas mais neutras do dia; de soslaio, sentia a presença da rosa à janela; de descuido, enchia o copo de água. Em seus olhos, via-se o luto.
“Deves esquecê-la, Julian”, disse o botânico.
“Difícil não é esquecer; difícil é sempre lembrar”, respondeu Julian Gasmar.
Imagem de Peter Andrews.
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19.4.10
Coração
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10.4.10
Altar-mor
Dentro de si havia uma galeria, com espaço de destaque para as pessoas de que gostava. Distribuiu todos como santinhos em altares e era a eles que se curvava em devoção. Pois sabia que guardava um tiquinho de cada pessoa e se edificara pelo que elas o fizeram ser. Mas havia um cantinho, não mais nem menos importante, onde estava o altar-mor, destinado ao seu amor; e, embora tivesse a imagem nas mãos, alguma coisa o atrapalhava de colocá-la li.
Imagem de Archerphoto.
Postado por lucas gandin às 4:42 PM 1 comentários
5.4.10
De aura dourada
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28.3.10
Ela
A cadeira em frente, vazia. No copo, a marca recente do batom. O saldo da noite: vinte e dois reais mais o serviço do garçom.
Imagem de Gonçalo Motta.
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21.3.10
Embora houvesse a luz dos postes, a rua possuía uma aura escura e densa que a tornava pesada. Percorrer seus poucos quilômetro foi como entrar num mundo que se revela ao breu. A cada passo, sentia-se puxado para aquele mundo, sentia sua poeira lhe povoar a pele e sufocar a respiração.
Olhava ao redor e não conseguia enxergar um semelhante, eram todos desgraçados, cada qual em sua própria desgraça, uma desventura estéril, demente. Pareciam todos espíritos malogrados a uma pseudoexistência.
Às vezes cruzava com alguém, num passo apertado. Insinuava quase ilusório uma mesma rua servir de trajeto e de casa, porém eram tantos os papelões espalhados sob as marquises e os cobertores rotos contra a frieza do albergue. Os que não dormiam, cambaleavam bêbados, até que as pernas não mais sustentassem o fraco esqueleto e então eles se arrastavam.
Mas foi no olhar que os viu desgraçados; irmãos seus fadados a uma peça da vida. Olhar mareado, distante, forçando um foco que em vão tentavam buscar. Sentiu-se claustrofóbico, não podia despertá-los do sono ébrio que dormiam. Mais à frente, um orelhão se iluminou duma luz bem amarela que rompeu o côncavo da cabine e varou a rua como uma certeza.
Não atreveu olhar, buscou o canto do olho e desvendou pelo cheiro: um trago e o devaneio abriu as portas pela qual o cara entrou. Ali, às escondidas, às encolhas, era uma porta minúscula, mas a cada dia mais gente por ela entrava. Mas ninguém viu, estavam todos ensimesmados em suas venturas que aquela decrépita rua há muito perdera sua beleza: dos casais apaixonados, restou os cafajestes; do cavalheiro, o dentinho de ouro; da moça apaixonada, a prostituta. Do amor, a desgraça comum.
E naquela rua, cada qual com sua sina: sua desgraça era uma rosa, já murcha e de caule ressequido, cujas pétalas desprendiam e rolavam além, carregadas pelo vento.
Imagem de autoria desconhecida.
Postado por lucas gandin às 6:45 PM 1 comentários
11.3.10
Louco
Amo.
Mesmo?
Mesmo.
Mesmo... mesmo?
Aham...
Aham ou mesmo?
Sim.
Sim o quê: aham ou mesmo?
Sim eu te amo.
De verdade?
...
Fala, de verdade?
Eu te amo, meu bem.
De verdade?
Sim, de verdade.
Ama como?
... amando...
Você vai ficar comigo pra sempre?
Eu estou com você.
Mas você vai ficar pra sempre?
Sente aqui, meu bem: meu coração acelerado, minhas mãos geladas; é assim sempre que estamos juntos. Nem são eu seria louco de ficar sem você.
Postado por lucas gandin às 8:06 PM 3 comentários
6.3.10
Prêmios Rubens Mazza e Chuchu de Ouro
Melhor Filme Trash: O macaco assassino da floresta
PRÊMIO CHUCHU DE OURO
Pior Filme: Murphy versus Ronaldo
Um comentário: que puta desorganização. Sério, calouros 2010, façam melhor ano que vem, por favor, se for pra ser nesse amadorismo merda então nem façam.
Postado por lucas gandin às 6:23 AM 3 comentários
24.2.10
Tão frio
Era aquele calor presente e aquela luz certa que conferiam a segurança necessária, como se com eles reconhecesse seu espaço de mundo e sonho, em detrimento de uma realidade sem névoas, da simplicidade que nos vara a alma.
Mas basta uma mínima fresta, uma porta entreaberta, a brisa deentrando a janela, a gaveta mal fechada, para o lume se apagar. Qualquer descuido é um átimo para o passado ressurgir, para a escuridão dominar e o calor se desmanchar.
De repente tudo fica tão frio...
Postado por lucas gandin às 4:53 PM 4 comentários
20.2.10
A volta da Geni
Pobre Geni, salvo-os com sua honra, que agora lhe condenara ao exílio. Antes de se embrenhar na mata, fitou a cidade, mirou o céu; ao longe, diminuto, ia o zepelim. Mas de deu conta de que trazia em sou trouxa o milhão que lhe dera o banqueiro.
De vingança, planejou: numa noite qualquer plantou na praça da cidade, de fronte à igreja, uma estátua sua, de bronze, sentada num zepelim de mesmo material. A peça era grande o bastante para ser vista de qualquer beco estreito da cidade.
E comprou um zepelim, com o qual flutuava sobre a cidade todos os dias em ameaça: se destruíssem a estátua ou removessem-na da frente da igreja ou trocassem o templo de lugar, seria ela que abriria os dois mil orifícios e, com os dois mil canhões, faria a cidade em geleia.
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11.2.10
Fica comigo
Vem, fica ao meu lado, empresta-me o colo e cuida de meu sono. Se quiseres, acaricia meus cabelos, enrola em teus dedos um cachinho. Às vezes sinto tuas mãos percorrer meu corpo, dedilhando nossa música em canção. Mas quando procuro teus olhos, teu olhar foge no horizonte tão longe, tão longe que mal consigo vê-lo.
Vem, dorme comigo; amanhã quero te acordar em carícias e te envolver em meus braços. Já acordei outras noites sentindo teu perfume: lembrança em minha cama da vez que nunca estiveste lá. Mas tu virás e então acordarei em tua presença.
Vem, fica comigo nem que seja por um tempo curto, dure o quanto durar, será o nosso tempo; parado para nós: eterno. Vem, que te espero, vem que te quero. Vem, me dá a mão.
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5.2.10
As dez pragas de Curitiba
Do rio Belém subiu os odores pustulentos e os lambaris do parque Barigui retesaram na água em ebulição. Dos macacos do Passeio Público sobrou-lhes apenas a carcaça; do jacaré-do-papo-amarelo nem a história sobrou. Os pinhões estouraram nas praças em pipoca.
Os sinos da Catedral soaram em marcha fúnebre. Dom Pedro Fedalto evaporou-se na batina. Rafael Greca afogou-se na gengibirra, tarde demais. As putas da Visconde tentaram se esconder sob as marquises, mas foram vaporizadas – sobrou-lhes os vinténs da noite passada.
As gentes tiveram bernes, pústulas, uma e outra chaga. Porém eles sobreviveram, porque esta era a primeira das pragas que lhes mandaria o Senhor.
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4.2.10
Em ti, Curitiba
Há nas tuas ruas estreitas, trôpegas, labirínticas o emaranhado vital de minhas veias pulsantes. Há no teu gelado ar abafado de inverno aquela dose pouca, porém necessária, de vida precisa. Há em tuas árvores, meu descanso na loucura.
Há em teu retrato meu passado longínquo e meu futuro incerto. É na tua memória que monto meu presente, igual aos ladrilhos de tuas calçadas desenhadas. Curitiba, tu me desenhas, delineias meu corpo nas tuas páginas não escritas, sou de ti um personagem, quiçá reles antagonista, um boêmio de teus inferninhos obscuros.
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18.1.10
Estrela
Que não existia, mal e mal viu algumas algas e, de longe, um cardume vindo em sua direção. Eram peixinhos pequenos, que reluziam o pouco de luz que lhes atingia; e bailavam um em torno do outro, piruetando e sibilando na correnteza.
Não fizeram menção de desviar dele, aliás parecia que iam ao seu encontro propositalmente. Ele estendeu os braços, convite para receber o cardume em mãos. Sentiu os peixes tocarem seus dedos e envolverem suas mãos. Quando eles se dispersaram, percebeu que eles tinham lhe dado um presente: uma estrela do mar.
Retornou à superfície, trazendo o seu presente.
Na volta, notou o céu escuro, mirou o firmamento à procura de alguma estrela, mas não as achou. Embora o céu aberto, elas haviam se escondido.
Ao se aproximar de sua casa, fitou o céu novamente, tomou a estrela do mar e estendeu-a diante de si, como se quisesse colocá-la no céu. E foi que ao lado dela, brilhou uma estrela e pouco a pouco as demais estrelas se acenderam naquela imensa escuridão até o céu diante de si brilhar como o dia e então sentiu a brisa da sorte lhe envolver.
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7.1.10
O menino e o céu
Postado por lucas gandin às 3:17 PM 3 comentários