Embora houvesse a luz dos postes, a rua possuía uma aura escura e densa que a tornava pesada. Percorrer seus poucos quilômetro foi como entrar num mundo que se revela ao breu. A cada passo, sentia-se puxado para aquele mundo, sentia sua poeira lhe povoar a pele e sufocar a respiração.
Olhava ao redor e não conseguia enxergar um semelhante, eram todos desgraçados, cada qual em sua própria desgraça, uma desventura estéril, demente. Pareciam todos espíritos malogrados a uma pseudoexistência.
Às vezes cruzava com alguém, num passo apertado. Insinuava quase ilusório uma mesma rua servir de trajeto e de casa, porém eram tantos os papelões espalhados sob as marquises e os cobertores rotos contra a frieza do albergue. Os que não dormiam, cambaleavam bêbados, até que as pernas não mais sustentassem o fraco esqueleto e então eles se arrastavam.
Mas foi no olhar que os viu desgraçados; irmãos seus fadados a uma peça da vida. Olhar mareado, distante, forçando um foco que em vão tentavam buscar. Sentiu-se claustrofóbico, não podia despertá-los do sono ébrio que dormiam. Mais à frente, um orelhão se iluminou duma luz bem amarela que rompeu o côncavo da cabine e varou a rua como uma certeza.
Não atreveu olhar, buscou o canto do olho e desvendou pelo cheiro: um trago e o devaneio abriu as portas pela qual o cara entrou. Ali, às escondidas, às encolhas, era uma porta minúscula, mas a cada dia mais gente por ela entrava. Mas ninguém viu, estavam todos ensimesmados em suas venturas que aquela decrépita rua há muito perdera sua beleza: dos casais apaixonados, restou os cafajestes; do cavalheiro, o dentinho de ouro; da moça apaixonada, a prostituta. Do amor, a desgraça comum.
E naquela rua, cada qual com sua sina: sua desgraça era uma rosa, já murcha e de caule ressequido, cujas pétalas desprendiam e rolavam além, carregadas pelo vento.
Imagem de autoria desconhecida.
1 comentários:
aai, adoro teu blog! ;)
Postar um comentário