12.12.08
Meu amigo
Postado por lucas gandin às 12:48 PM 0 comentários
25.11.08
Na parede da memória
Para ele, havia a satisfação de pertencer àquele ambiente, de sentir acolhido e querido por aquela senhorinha, de sentir acalentado por aquela casa e aquelas pessoas todas, de sentir família.
Dos biscoitos, ficou o sabor saudoso do chocolate; da vozinha, o olhar materno iluminado por um brilho inexplicável. Da família, um quadro roto, esquecido e perdido no fundo do baú.
Postado por lucas gandin às 6:48 PM 1 comentários
16.11.08
Persistência
Todos os dias ele regava a rosa.
Postado por lucas gandin às 4:26 PM 0 comentários
2.11.08
O enterro de Isolina
Quando nasci Isolina já trabalhava na nossa casa. Cozinhava, limpava, cuidava engomava nossas roupas, contava-nos histórias à luz do lampião. Alimentava as galinhas, dava de comer aos porcos e às vezes eu a ajudava a retirar água do poço. Isolina ensinou-me a rezar: uma ave-maria para cada conta de seu rosário branco.
Tinha de ir ao enterro. Vesti meu terno azul-marinho fui à garagem. Abri a porta do carro e outra borboleta negra bateu assas. Num vôo cambaleante, saiu de dentro do veículo, pousou na lapela do meu paletó e no instante seguinte fugiu.
Difícil dirigir. Estrada de terra, o barro no pára-brisa. Estacionei em frente à capela onde ela estava sendo velada. Ao descer, atolei meu pé até o joelho no barro. O guarda-chuva não continha a água que caía. Entrei na capela, Isolina não estava. Só vi as quatro velas apagadas, os pedestais onde seu caixão foi colocado e uma borboleta preta na vastidão branca da parede.
Corri feito um louco para o cemitério. Esqueci a chuva, esqueci o barro, esqueci as pedras da estrada de terra. Zanzei pelas ruelas à procura do túmulo de Isolina. Esqueci as flores. Nem uma margarida murcha em minhas mãos. Puxei do vaso de um túmulo recém fechado um maço de dálias e uma rosa branca. Ao longe, o coveiro e o carrinho com o caixão de Isolina. Corri, tropeçando em minhas pernas. Nada protegia o caixão de Isolina, mas não sei como, não chovia sobre ele. Pelo contrário, sobre seu caixão projetava-se um feixe dourado de luz, um raio de sol rompendo as nuvens pesadas.
Queria ver seu rosto rechonchudo, sua pele negra, seu semblante plácido. Queria ver a boa e velha Isolina pela última vez. Desatarraxei os parafusos de seu caixão, empurrei a tampa com certa força, derrubando-a. Tão logo ela se espatifou no chão, borboletas pretas, médias, grandes, minúsculas, milhares delas, ganharam o céu. Voaram num sublime bater de asas em direção ao sol. No caixão ficou apenas o terço branco de Isolina.
Imagem de autoria desconhecida.
Postado por lucas gandin às 12:25 PM 0 comentários
18.10.08
Cause all the stars are fading away
I walked a lonely road; my shadow was the only one that walked beside me. I walked for miles and miles and hours and hours. Sometimes, I wished some out there would find me. There was none.
At the end of the night, I arrived in a town, a small town. And in the streets the children screamed, the lovers cried, and the poets dreamed. I saw a baby was sleeping so scared to be alone. And I saw a girl who sang the blues. I knew, if she had wings she would fly away, and another day God would give her some. She’s got a smile that seemed to me a kind of hope.
I tried to talk to her, but she ran away. I tried to talk to the children, lovers and poets, but they ran away. Everyone ran away, except the little fish, and he told me I should ask myself why.
The little fish told me to make my way back home and learn to fly. He also told me that men dreams one day to fly. And I had just one chance, one way ticket to the times I had before. I should learn to fly to pursuit my dreams
And I took a rocket ship into the skies, to live on a star dying in the night.
Image: Square, of Bob Kupbens.
Postado por lucas gandin às 12:21 PM 0 comentários
5.10.08
O vodu
Postado por lucas gandin às 5:43 PM 0 comentários
27.9.08
Céu azul
Postado por lucas gandin às 6:00 PM 0 comentários
22.9.08
Florzinha no cabelo
Postado por lucas gandin às 3:09 PM 0 comentários
14.9.08
Tão pó, tão só
E para onde ia, carregava a lata, que por causa das estampas, parecia uma casa, porta e janelas nas laterais, a tampa desenha de telhas de barro. Vez por outra abria a lata e remexia suas coisas, com olhar saudoso, e fechava. Certeza daquilo que era sólido e certo.
Numa dessas aventuras lata adentro, tão logo a destampou, começou a ventar, dum vento forte, vigoroso, que aumentava. Na dúvida se fechava ou dali corria, colocou a mão sobre seus pertences para impedir que o vento os tomasse consigo, mas o vento era forte demais e venceu a resistência; varreu dali não só as coisas mais leves como despedaçou tudo o que estava protegido.
Levou-os longe, espalhando-os pelos cantos e curvas ermas e ele sequer pode agarrar entre os dedos um mínimo pedaço de si. Sem sua latinha, sem nada, sem aquilo que lhe fazia ser o que era, tudo pareceu tão pó, tão só.
Postado por lucas gandin às 4:54 PM 2 comentários
2.9.08
A musa e o poeta
Saí pelo mundo à procura da minha, numa viagem tresloucada, feito um desvairado a caçar nos olhos de cada mulher a inspiração para minha arte. Tateei no escuro, embrenhei-me por becos e caminhos nunca dantes pisados, no entanto minha musa parecia mais bem escondida do que imaginava. Desenhava-a linda, capaz de preencher meu vazio, de acalentar minhas madrugadas insossas, de alumiar meu pequenino coração.
Ao vê-la perguntei-me: serão os poetas cegos? Minha musa estava ao meu lado, linda como a pintei: de cabelos negros, longos e luzidios, dum mesmo brilho cálido em seus olhos puxados, e pele morena do sol. Minha musa pegou minha alma e me levou pela noite de lua cheia, fulminou certeiro meu coração: fiquei estatelado, hipnotizado feito estátua de pedra. Minha musa me beijou, um beijo carinhoso... gostoso – fiquei querendo mais. Minha musa me inspirou, mas sou mau poeta: não verso, proseio.
Postado por lucas gandin às 7:56 PM 0 comentários
29.8.08
De olhos bem abertos
Dói, sabe disso? dói muito, porque você se foi assim de abrupto como que de mansinho, e levou toda minha vida amarrotada em sua mala.
E todos os dias em que me levanto sozinho, depois de dormir sem você ao meu lado e quando a dor dói mais doída (ou doida?) eu digo para mim mesmo, batendo na minha própria cara: não pense... não pense... apenas esqueça... e volte a dormir, mesmo que de olhos bem abertos.
Postado por lucas gandin às 7:03 PM 1 comentários
27.8.08
Pequeno demais
Numa das cadeiras de balanço, uma senhora, magra, definhando a vida, olhava inerte ao longe, com os olhos azuis perdidos no longe bem longe. Os cabelos já ralos e despenteados eram a certeza que ela esperava sua hora – sem disso saber.
Aproximou-se dela, um tanto cândido, e a senhora esboçou-lhe um sorriso e disse-lhe: viu o meu Jim? o meu pequeno Jim? Quedou o olhar, alisou as mãos enrugadas, porém nada lhe disse.
Entrou na casa e tudo estava como sempre, a sala com os sofás de vime, a cristaleira, os quadros, as cortinas de renda, os relicários espalhados em cada canto, os bibelôs de porcelana. Foi uma olhada rápida, intencionava logo subir ao quarto.
Que estava como sempre: a cama arrumada, os carrinhos de madeira num canto ao chão, a escrivaninha com alguns livros em cima, o armário... tudo impecavelmente simples e limpo, como havia deixado quando partiu. Sob a cama havia uma de suas calças, das curtas, que costumava usar àquela idade.
Abaixou-se e tomou um carrinho de madeira, agora tão pequeno em suas mãos de homem, e rememorou as histórias inventadas quando brincava com ele. Sentou-se na cama e teve a impressão de estar já grande demais para ela. Tudo naquele quarto insinuava-se pequeno; até mesmo o despertador, com ponteiros tão diminutos de ver.
E foi que sentiu o quarto encolher, como se as paredes e o teto intencionassem apertá-lo e sufocá-lo, pois era adulto demais para aquele mundo que deixara, era grande demais para o mundo de sua infância, e nele já não mais cabia. Sentiu dificuldade para respirar, mas a janela também havia ficado menor... menor.
Quis sair daquele quarto, estava sufocando-se nele, estava deslocado nele – não podia mais reviver aquele mundo de há muito deixado. E ao se levantar teve de ser curvar, porque era grande demais para o quarto e ao sair precisou de se abaixar.
Fora, consentiu que aquele quarto e aquela casa haviam ficado tão pequenos que já não cabia mais neles; e já não eram mais seus. Eram do pequeno Jim que fora e por quem a senhora esperava.
Postado por lucas gandin às 4:17 PM 1 comentários
16.8.08
Os robôs
Um dia sem mais, um robô descobriu-se apaixonado por uma robô, sentiu-se atraído por seu corpo rombóide, seus lábios elípticos inspiravam-lhe beijos sonhados e ele se viu amando-a. Mandou-lhe poemas apaixonados – sim, os robôs também escrevem poemas – rosas, mimos feito de sua própria habilidade, tencionando conquistá-la, mas ela fugia quando o via na rua e sequer correspondia aos seus jogos do amor.
Um dia recebeu um carta; ela não o amava. No entanto, até para findar o sentimento do amor os robôs possuem um botão, que o mesmo que o aciona, e o robozinho buscou em sua casa seu manual de instruções, ou melhor, o manual de instruções dos robôs do seu modelo e número de série, para poder localizar o botão do amor e assim por fim ao sentimento do amor que tinha por aquela robozinha.
Segundo o desenho do manual, o botão ficava no compartimento às costas e era o terceiro da última fileira. Eis que ao abrir o compartimento não encontrou o botão do amor e aí ficou sabendo que apenas o seu número de série, ou seja, apenas ele, havia sido fabricado com um defeito: não possuía o botão do amor.
Ao saber que teria de dês-amar aquela robozinha do mesmo modo que passou a amá-la, sem poder desligar-se em seu botão do amor, se deu conta de que não era um robô, era humano.
Postado por lucas gandin às 7:26 PM 0 comentários
10.8.08
Canarinhos
Os canarinhos foram novidade para os filhos, já adultos, que jamais pensaram em ver a mãe tão dedicada a eles, já que por muito tempo relutou em ter algum animal de estimação – dão muito trabalho, dizia. Mas a mulher com eles estava como se estivesse feliz outra vez e deles cuidava com cautela materna que os impedia de fugir, mesmo que isso significasse colocar alguns cadeados nas portinholas da gaiola.
Um dos filhos perguntou ao pai, como que desejando roubar uma informação mais preciosa: então a mãe comprou canarinhos? Sim, respondeu o pai, depois que você e teu irmão alçaram vôo à vida, ela comprou os bichinhos para alegrar a casa.
Postado por lucas gandin às 9:50 PM 0 comentários
1.8.08
29.7.08
Nossa história
Postado por lucas gandin às 6:10 PM 0 comentários
14.7.08
Meninice
Mudava o dia, mas o passeio o mesmo, o mesmo silêncio cúmplice de mãe e filho, os mesmos doces e o mesmo jogo, sempre. E essas eram suas mais doces lembranças da meninice.
Postado por lucas gandin às 10:06 PM 0 comentários
3.7.08
O clubinho
A tesouraria ficou com o presidente menino e como secretária, a vice-presidente menina. Estipularam que cada integrante do clube contribuiria com cinqüenta centavos por semana, presumindo que em um mês teriam algum dinheiro substancial para começar de jure as atividades do clubinho.
Inventaram as vestimentas: aos presidentes uma manta por sobre os ombros e os vices usariam um lençol, também sobre os ombros. Cada presidente empunhava um martelo, desses de bater carne, como instrumento de decisão: batido o martelo, assim passava a ser.
Faltava-lhes uma sede, talvez se dobrassem as contribuições conseguiriam montar algo, mas os cálculos revelavam que desse modo a sede só ficaria erguida oito anos e meio depois.
Mas sobreveio à presidente menina que bastavam algumas ripas cortadas de árvores que eles montariam uma barraca e cobririam com lençóis e mantas. E assim fizeram; uma barraqueta de dois metros quadrados, iluminada por uma lanterna. Na primeira reunião, todos tiveram que dar a primeira contribuição, mas o vice-presidente menino esqueceu sua parte e foi multado em vinte centavos a ser pago no próximo encontro.
A reunião, considerada extraordinária, terminou com a mais importante decisão do dia: deliberaram os quatro que em quinze minutos começariam a brincar de se esconder. Os presidentes bateram o martelo e os quatro desmontaram a barraca e tiraram as vestimentas protocolares o mais rápido possível para que não perdessem o horário do esconde-esconde.
Postado por lucas gandin às 7:04 PM 2 comentários
14.6.08
Boneca de pano
E os anos passaram, naquela velocidade de passar, e a menininha cresceu, virou menina, meninota, mocinha, moça e mulher; enfim adulta. Num dia sem-mais, ela apanhou a caixa do alto da prateleira e dela pegou o brinquedo: uma boneca de pano, um tanto amarelada pelo tempo.
A mulher olhou cuidadosamente a boneca e nos olhos as rememorações dos tempos de menininha voltaram em doce saudade e ela se deixou levar pelas lembranças daqueles anos passados em que era uma menininha e brincava de boneca. A mãe, que espreitava de longe podia ver a filha quase que hipnotizada abraçada à boneca e não entendeu porque agora, crescida, a filha parecia ainda mais criança. Mas a mulher sabia: para brincar com aquele brinquedo, teria de voltar a ser menininha.
Postado por lucas gandin às 1:47 PM 2 comentários
5.6.08
Desejo-te
Imagem de autoria desconhecida.
Postado por lucas gandin às 8:28 PM 1 comentários
26.5.08
Suas palavras
Ele mergulhou o olhar no horizonte, deixou os olhos marejarem de lágrimas, e falou meio engasgando: esqueço... Deu um breve suspiro e o velho perguntou-lhe de novo: como veio até aqui? Ele suspirou, inspirou fundo numa tentativa de despistar o choro da garganta e disse: vim andando. Veio andando umas boas léguas e meia.
O velho então pediu: escreve aqui no caderno. Ele tomou a caderneta na mão, e por longas linhas escreveu o que sentia e como sentia e porque sentia e quanto sentia, escreveu tentando vencer a dor dos pés cansados e do corpo estafado. Escreveu em linhas tortas e letra garranchada, difícil firmar o pulso.
O velho leu cada frase, meditou cada palavra e disse-lhe: não continue... volte; apenas volte. E antes dele tomar o rumo da volta, o velho rasgou a folha escrita por ele e entregando-lhe completou: sãos suas palavras, deve levá-las consigo.
Postado por lucas gandin às 7:53 PM 1 comentários
16.5.08
Recorte de jornal
Mas foi quando se olhava no espelho do elevador, conferindo se a roupa estava impecável, que descobriu o motivo dos olhares: estava em preto-e-branco. Enquanto o mundo todo à sua volta insinuava seus matizes e suas infinitas tonalidades coloridas, sua pele, seu cabelo, seu lábio, seu olhar e suas roupas oscilavam nas diferentes graduações do cinza.
Ficou um tanto desconcertada, no entanto quê podia fazer? Tentou retocar o batom; sem efeito: seus lábios apenas ganharam um contorno mais definido em tom cinza escurecido. Foi ao banheiro, lavou o rosto, mas na pele a mesma palidez acinzentada.
Dirigiu-se à sua sala, porém sentia-se esvaziada a ponto de sequer conseguir dimensionar o que se passava. E quando tocou a cadeira, o estofado perdeu a cor e assim com cada objeto que tocou: todas aquelas cores vivas, luminosas, vibrantes viraram um punhado de cinzas médios, claros e escuros, indo da plenitude completa das cores até a ausência delas.
Em desespero, chamou pela colega ao lado. Esta mulher até virou-se em sua direção, mas perdeu o olhar ao longe, como se o seu chamado de ajuda fosse apenas um sussurro incompreensível do vento, como se ela fosse alguém congelado no tempo passado. Tão igual, tão igual à moça do recorte de jornal da fundação da empresa emoldurado na parede.
Postado por lucas gandin às 5:28 PM 1 comentários
11.5.08
Do bem
– e se a polícia acha que nós somos bandidos?
– eles não vão pensar...
– mas se eles pensam, pai?
– não somos bandidos.
– a gente é do bem?
– é... a gente é do bem.
– os bandidos é que são do mal, né?
– sim.
– mas se a polícia pensa que a gente é mal, a gente vira bandido?
– não, filho... não somos bandidos.
– mas e se a polícia pensa que somos?
– eles não pensam isso da gente.
– por que a gente é do bem, né pai?
– é... porque a gente é do bem.
Postado por lucas gandin às 4:14 PM 0 comentários
8.5.08
Vitalidade
Ficou em dúvida se corria ou caminhava, mas a vontade de algo mais pesado incentivou-a a correr; começou devagar, mas logo aumentou o ritmo como se preparasse para uma competição. Não sentia cansar: quanto mais corria, mais queria continuar e sentiu que não queria apenas correr, mas desejava também pular, dançar, soquear o ar, dar cambalhotas, rolar no gramado do parque.
Sobretudo, porém, corria feito criança serelepe, esquecendo-se do mundo e imergindo na sua pueril brincadeira da manhã de domingo. E pulava e corria e girava cambalhotas e subia em árvore e dançava feito criança que era; e de fato era criança.
Parou apenas para se refrescar com um picolé, já matutando as próximas brincadeiras que saciaria pelo parque. Foi quando viu uma senhora se aproximar e falar uns bá bá bá bu bu bu, que nada compreendeu; fitou aquela senhora tentando compreender se louca era ou estava lhe mangando. A velha, antes de ir-se, soltou um riso curto, divertindo-se em ver aquele bebê de pouco mais de um ano de idade lambuzar-se com o picolé.
Postado por lucas gandin às 8:01 PM 0 comentários
4.5.08
Como você me dói
Postado por lucas gandin às 6:46 PM 0 comentários
30.4.08
Abismo
Postado por lucas gandin às 8:32 PM 0 comentários
27.4.08
Consciência
Postado por lucas gandin às 6:51 PM 0 comentários
25.4.08
Nua solidão
Olhar seu reflexo, era ludibriar-se que a vida era possível, de que a presente solidão era sua companheira das horas neutras da madrugada e de que o sorriso torto estampado na cara espelhava-lhe o mundo que queria que fosse.
Aquela imagem, dalgum modo desconhecido por ele, refratava seus amores sofridos, desilusões, os desejos reprimidos e a tristeza humana recolhida em si. E os dias se lhe somavam, construindo a realidade projetada numa imagem de si.
Quando conseguiu olhar-se no espelho novamente, percebeu que estava imerso num vazio e sua imagem pouco a pouco se desfez em nua solidão.
Postado por lucas gandin às 10:40 AM 0 comentários
17.4.08
O caderno dos amores traídos
Ainda assim teimou em trocar o passo e foi quando caiu embolando em si mesmo. Já não sentia os membros inferiores e também não conseguia controlar as mãos. Ao olhá-las percebeu que as mãos estavam desaparecendo, apagando lentamente, a começar pela ponta dos dedos. Fitou as pernas e viu que os pés já haviam sumido.
De lento, ganhou velocidade e o que quer que fosse aquilo avançava rápido, devorando as pernas e os braços, subindo pelo tronco, atingindo o peito. Que sufocava e apertava.
No mesmo instante, num lugar um tanto longe dali, uma mulher, de face contraída entristecida, de seu caderno dos amores vividos, apagava-o de sua existência.
Postado por lucas gandin às 11:47 AM 0 comentários
8.4.08
A partida
Postado por lucas gandin às 5:28 PM 2 comentários
3.4.08
28.3.08
Viajo, viajo, viajo
A Curitiba dos imigrantes portugueses, alemães, poloneses, italianos, ucranianos, japoneses, sírios e libaneses. A Curitiba da vina, do penal, do piá, da gasosa, dos polacos, do chineque, do papel de borrão.
A Curitiba perdida do Dalton Trevisan, a Curitiba boêmia do Paulo Leminski, a Curitiba lírica da Helena Kolody, a Curitiba simbolista do Emiliano Perneta; a Curitiba paranista do Alfredo Andersen, a Curitiba do contemporâneo Poty Lazzarotto.
A Curitiba do barreado, do pinhão, da polenta com frango frito, da bolacha Maria, da gengibirra e da bala Zequinha. A Curitiba do Mercado Municipal, do circuito gastronômico de Santa Felicidade, da confeitaria Schaffer, do Bar do Alemão.
A Curitiba da Borbleta 13, do Oil Man, da Gilda, da Maria Bueno, do Homem do Gato, dos Cavalheiros da Boca Maldita. A Curitiba “província, cárcere, lar, que com amor, viajo, viajo, viajo”.
Postado por lucas gandin às 9:16 PM 0 comentários
25.3.08
Pueril alegria
Os pés esquentavam, dum calor aconchegante; correu... pulou... correu e pulou, pequeno polegar a ganhar um mundo desconhecido. Rodopiou, saciou, quedou estripulias. A pueril alegria de vestir o primeiro par de calçados aos oitenta anos.
Postado por lucas gandin às 8:05 PM 0 comentários
21.3.08
Suicídio
Imagem: O suicídio, de Eduard Manet.
Postado por lucas gandin às 9:36 AM 0 comentários
19.3.08
O anjo torto
Imagem de Nuno Souza (detalhe).
Postado por lucas gandin às 6:14 PM 0 comentários
13.3.08
Me dê a mão
Postado por lucas gandin às 2:43 PM 0 comentários
6.3.08
O último retratinho
No final, quis levar da vida o último retratinho. A cadeira do lado ficou vazia, como sempre esteve.
Imagem de autoria desconhecida.
Postado por lucas gandin às 11:16 AM 0 comentários
1.3.08
Prêmios Rubens Mazza e Chuchu de Ouro
PRÊMIO RUBENS MAZZA
Melhor Filme Trash: Pizza Hurt
Melhor Filme: Lei da Atração
Melhor Direção: Lei da Atração
Melhor Ator: Guilherme (Pizza Hurt)
Melhor Atriz: Gabriela Mateos (Lei da Atração)
Melhor Ator Coadjuvante: Freddy (Patacoada)
Melhor Atriz Coadjuvante: Cynthia Benini ([Des]caminhos do amor)
Melhor Ator Inútil: Barwoman em Lei da Atração
Melhor Cena: Bin Laden (A Gargalhada)
Melhor Cena "Ai, mi fódi!": Romano e Hippieta
Melhor Trilha Sonora: Lei da Atração
Melhor Roteiro: Lei da Atração
Melhor Edição: Lei da Atração
Melhor Edição de Som: Sofia Dantas
Melhor Fotografia: Aluga-se
Prêmio de Originalidade: Sombras em Aluga-se
PRÊMIO CHUCHU DE OURO
Pior Filme: Curitiba, eu te amo
Pior Direção: Curitiba, eu te amo
Pior Ator: Cícero (Curitiba, eu te amo)
Pior Atriz: Repórter de Curitiba, eu te amo
Pior Clichê: música do filme 007 em Patacoada
Pior Edição de Som: Curitiba, eu te amo
Pior Trilha Sonora: O Lerdo
Postado por lucas gandin às 10:19 AM 3 comentários
28.2.08
O menino que caiu do céu
Delas se lembrava quando acionava a buzina de trovão do carro deslizante, fazendo com aquelas pessoinhas corressem ainda mais imaginando a chuva vindoura. Além disso, tinha o mundo do céu ao seu dispor.
E quando aprontava as bolinhas de nuvem para jogar sobre as pessoinhas lá embaixo – bolinhas que ganhavam potência e atingiam-nas em vendaval – ouviu o ressoar dos tambores e de gritaria ao longe. Forçando os olhinhos conseguir ver: se achegava uma banda trazendo ilustres convidados. Quando se aproximaram o arauto do rei de ouros bradou: eis nossos convidados em visita a vossa excelência o marechal-tenente-coronel da constelação de órion. Eram eles o papai noel, o coelhinho da páscoa, o saci-pererê, o boitatá, a cegonha, o monstro do armário, o rato do dente e o cão das chupetas.
O menino pouco se importou, nem parou de enrolar suas bolinhas de nuvem; o arauto do rei de ouros chamou-lhe a atenção por entre os dentes: excelência, atenda vossos convidados. O menino respondeu-lhe em desdém, dando de ombros: eles nem existem.
E nesse mesmo instante, caiu do céu como se um abismo tivesse sido aberto sobre seus pés, desceu girando sobre si próprio numa velocidade ao mesmo tempo lenta e baixa. Ao cair no chão, escutou-se um baque abafado. Tentou se levantar, mas tão velho seu corpo não conseguiu se pôr de pé e sem forças pereceu.
Postado por lucas gandin às 11:48 AM 0 comentários
21.2.08
O fantasma da infância
O pai agonizou, estrebuchou em espasmos, mas não conseguiu reagir, ele pensou tê-lo visto gritar, mas não havia como a voz escapar-lhe da boca. O pai abriu os olhos e encarou-o, num olhar ameaçador e ele sabia que era de fato uma ameaça e por isso cravou a faca mais forte, provocando no pai o último espasmo de vida. Vida esta que se foi rápida, como planejada.
Sentiu prazer, prazer em sentir o sangue escorrer por seus dedos, por ver o pai sem reação, encurralado e desprotegido. Sentiu prazer em provocar-lhe a morte, em escutar o rangido da faca nas artérias e na faringe, em escutar inaudível e abafado o grito de socorro. Não teve piedade, nem complacência, que eram dos fracos, mas o olhar ameaçador do pai lhe incomodou.
E lembrar-lhe, do pai lhe encarando segundos antes de ficar inconsciente e morrer, incomodou-o e o perturbou; encolheu-se num canto da sala e recolheu seu prazer, resignando-se: amanhã teria de matá-lo de novo, o seu fantasma da infância.
Postado por lucas gandin às 12:10 PM 0 comentários
13.2.08
Saudade
Não há como não sentir nesse dentrinho de minh'alma esse pouco de saudade, que de pouco já é muito, demasiado e sofrido, não como um vazio, mas um cheio incompleto, capenga duma perna, cego dum olho, tombado de meio de lado. Que dá uma coisa ruim...
E só de me lembrar, eriça os pelos da minha nuca, como se me apaixonasse por ele pela primeira vez, como se sentisse seu beijo subir meu pescoço na primeira escalada, como se ele me envolvesse nos braços como no primeiro abraço, como se meus lábios descobrissem os seus, como se eu olhasse nos seus olhos e me visse dentro dele.
Saudade. Isso que sinto e queria não sentir, porque é apenas isso que é: saudade, nostalgia dum tempo que foi, não é mais.
Imagem de autoria desconhecida.
Postado por lucas gandin às 6:10 PM 0 comentários
8.2.08
31.1.08
Sob a nevasca
O menino levantou-se da cama e aninhou-se num canto do quarto, comprimindo-se ao máximo para se aquecer e também conseguir se cobrir com seu pedaço de pano. Não conseguiu dormir, acordou em meio ao frio que lhe cortava os pés. Calçou os sapatos gastos, abriu a porta e saiu. Antes olhou para o velho dormindo na cama, não com raiva, nem tristeza, com pena. Fora estava tudo coberto de neve, duma brancura assustadora e a nevasca era intensa, o vento forte, mas ele teria de ser mais forte se quisesse vencer o frio e caminhou na escuridão da noite, perdendo-se na neve. O velho não levantou, sequer deu pela falta do menino.
O menino seguiu seu rumo e caminhando na neve foi como se entrasse num túnel, um longo e silencioso túnel e não se percebeu que quanto mais nele andava, mais envelhecia. Sua única intenção era vencer o frio e, embora frio estivesse e nevando também, não sentia a neve grudar em suas roupas, nem congelar ao redor de sua boca. Era mais forte que o frio e o frio foi sendo vencido. Quando o sol nasceu já não havia mais a nevasca nem o vento cortante e ele já não sentia os dedos doerem.Quando parou para ver o horizonte, o sol nascendo ao longe, percebeu que havia envelhecido e era homem feito, com a barba grande e o corpo maduro e sentiu-se vivo, mais vivo que antes, sentiu-se vencido e fortalecido. Tomou fôlego e continuou seu rumo, livre e solto, leve para seguir seu rumo. Mas ao segundo passo ouviu lhe chamarem: menino... menino... Era o velho, agora mais velho, que vinha ao seu encontro; agarrando-o em seus braços disse-lhe: leva-me contigo menino... não me deixa só. O menino desvencilhou-se do velho e disse: não estás só, tens teu cobertor; e partiu deixando o velho para trás.
Postado por lucas gandin às 4:48 PM 0 comentários
20.1.08
Maldição
Postado por lucas gandin às 4:53 PM 0 comentários
18.1.08
A boca e o pescoço
Achegou-se devagarinho, encostou seus lábios e percebeu se tratar de um pescoço, naquela parte que horrivelmente foi chamada de cangote, e ali sentiu um calorzinho aconchegante, mas peralta que era, essa boca contraiu-se num biquinho e assoprou.
Assim nasceu o arrepio que mais danadinho ainda saciou por aquele pescoço, arrepiando os pelinhos mui diminutos e eriçando a pele e, embestado, correu pela coluna, descendo em rodopios.
Porém, o pescoço assustou-se, quem era aquele que lhe provocava aquela sensação de torpor? aquele gostoso e inquietante formigamento? e que ousou invadir-lhe o resto do seu corpo assim sem consentimento? Indignado virou-se para que os olhos pudessem flagrar o abusado. Eis que ao virar, mui bruscamente, os olhos viram-no e os lábios encontraram aqueles lábios ousados e quando intencionou protestar, calou-se, porque as palavras não vieram. E do encontro dos lábios, tão pertinhos, tão juntinhos, quase colados, cresceu a vontade, feito bolo em forno quente, e da vontade nasceu o beijo, beijo buscado pela boca peralta e que também saciou arrepios no pescoço.
Imagem de autoria desconhecida.
Postado por lucas gandin às 11:55 AM 0 comentários