O som da chuva acordou-me. O velho telefone soava estridente. Atordoado de sono tentava localizá-lo para atendê-lo. O dia escurecera-se devido à tormenta que precipitava naquela manhã. O telefone continuava a tocar e minhas mãos sonolentas tateavam o que havia sobre o criado-mudo. Senti-o vibrar. Quando o desliguei, senti uma coceira nos meus dedos. Forcei meus olhos embasados de sono: uma borboleta preta. Bateu assas e voou. “Isolina morreu”, disse-me a voz ao telefone.
Levei tempo a compreender, talvez porque meu cérebro acordava aos poucos ou pelo impacto da notícia. Minutos depois, acometeu-me o choque. Isolina estava morta. A boa Isolina estava morta. A querida Isolina estava morta. A velha Isolina estava morta. A preta Isolina estava morta. A gorda Isolina estava morta. Minha querida e boa preta velha Isolina estava morta. Chorei. Chorei como uma criança que perde a mãe, como um velho que enviúva, como quem perde a avó velhinha que assa deliciosos bolos de baunilha.
Quando nasci Isolina já trabalhava na nossa casa. Cozinhava, limpava, cuidava engomava nossas roupas, contava-nos histórias à luz do lampião. Alimentava as galinhas, dava de comer aos porcos e às vezes eu a ajudava a retirar água do poço. Isolina ensinou-me a rezar: uma ave-maria para cada conta de seu rosário branco.
Tinha de ir ao enterro. Vesti meu terno azul-marinho fui à garagem. Abri a porta do carro e outra borboleta negra bateu assas. Num vôo cambaleante, saiu de dentro do veículo, pousou na lapela do meu paletó e no instante seguinte fugiu.
Difícil dirigir. Estrada de terra, o barro no pára-brisa. Estacionei em frente à capela onde ela estava sendo velada. Ao descer, atolei meu pé até o joelho no barro. O guarda-chuva não continha a água que caía. Entrei na capela, Isolina não estava. Só vi as quatro velas apagadas, os pedestais onde seu caixão foi colocado e uma borboleta preta na vastidão branca da parede.
Corri feito um louco para o cemitério. Esqueci a chuva, esqueci o barro, esqueci as pedras da estrada de terra. Zanzei pelas ruelas à procura do túmulo de Isolina. Esqueci as flores. Nem uma margarida murcha em minhas mãos. Puxei do vaso de um túmulo recém fechado um maço de dálias e uma rosa branca. Ao longe, o coveiro e o carrinho com o caixão de Isolina. Corri, tropeçando em minhas pernas. Nada protegia o caixão de Isolina, mas não sei como, não chovia sobre ele. Pelo contrário, sobre seu caixão projetava-se um feixe dourado de luz, um raio de sol rompendo as nuvens pesadas.
Queria ver seu rosto rechonchudo, sua pele negra, seu semblante plácido. Queria ver a boa e velha Isolina pela última vez. Desatarraxei os parafusos de seu caixão, empurrei a tampa com certa força, derrubando-a. Tão logo ela se espatifou no chão, borboletas pretas, médias, grandes, minúsculas, milhares delas, ganharam o céu. Voaram num sublime bater de asas em direção ao sol. No caixão ficou apenas o terço branco de Isolina.
Quando nasci Isolina já trabalhava na nossa casa. Cozinhava, limpava, cuidava engomava nossas roupas, contava-nos histórias à luz do lampião. Alimentava as galinhas, dava de comer aos porcos e às vezes eu a ajudava a retirar água do poço. Isolina ensinou-me a rezar: uma ave-maria para cada conta de seu rosário branco.
Tinha de ir ao enterro. Vesti meu terno azul-marinho fui à garagem. Abri a porta do carro e outra borboleta negra bateu assas. Num vôo cambaleante, saiu de dentro do veículo, pousou na lapela do meu paletó e no instante seguinte fugiu.
Difícil dirigir. Estrada de terra, o barro no pára-brisa. Estacionei em frente à capela onde ela estava sendo velada. Ao descer, atolei meu pé até o joelho no barro. O guarda-chuva não continha a água que caía. Entrei na capela, Isolina não estava. Só vi as quatro velas apagadas, os pedestais onde seu caixão foi colocado e uma borboleta preta na vastidão branca da parede.
Corri feito um louco para o cemitério. Esqueci a chuva, esqueci o barro, esqueci as pedras da estrada de terra. Zanzei pelas ruelas à procura do túmulo de Isolina. Esqueci as flores. Nem uma margarida murcha em minhas mãos. Puxei do vaso de um túmulo recém fechado um maço de dálias e uma rosa branca. Ao longe, o coveiro e o carrinho com o caixão de Isolina. Corri, tropeçando em minhas pernas. Nada protegia o caixão de Isolina, mas não sei como, não chovia sobre ele. Pelo contrário, sobre seu caixão projetava-se um feixe dourado de luz, um raio de sol rompendo as nuvens pesadas.
Queria ver seu rosto rechonchudo, sua pele negra, seu semblante plácido. Queria ver a boa e velha Isolina pela última vez. Desatarraxei os parafusos de seu caixão, empurrei a tampa com certa força, derrubando-a. Tão logo ela se espatifou no chão, borboletas pretas, médias, grandes, minúsculas, milhares delas, ganharam o céu. Voaram num sublime bater de asas em direção ao sol. No caixão ficou apenas o terço branco de Isolina.
Imagem de autoria desconhecida.
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