6.9.09

O burrinho maltês


Nas bandas do planalto do Paraná, pastava um burro às margens do Iguaçu. Era um burrinho maltês; raros os da sua espécie. Fez do leito do rio sua moradia, ali encontrava pasto fresco. Embora estivesse sempre àquele leito, era nas épocas de cheia que servia os homens, transportando-os de um lado ao outro do rio, evitando-os de afogar. Não cobrava pagamento, mas recebia como gentileza algumas cenouras daqueles que carregava em seu lombo.
Certa vez, viu um vaqueiro, que talvez fosse das bandas de outros pastos, andando à margem do rio. Com ele, vinham várias borboletas e o burrinho nunca tinha visto tantas juntas. Tão feliz, pôs-se a brincar com elas, perseguindo cada uma em seu voo incerto. Tão feliz, corria atrás delas que até tinha vontade de deixar aquele rio e ir para o lugar de onde elas vinham. Tão feliz, porque as borboletas permaneceram em seu redor.
À noite, o vaqueiro voltou. Chovia em tempestade – águas torrenciais. O vaqueiro aproximou-se do rio como se medisse os riscos duma travessia e ali empacou. O burrinho maltês achegou-se nele e inclinou-se para que o vaqueiro fizesse montaria. Nos dois, o receio de cruzar aquelas águas: era noite e chovia – impossível antecipar perigos.
Assim que o vaqueiro fez a montaria, o burrinho adentrou o rio enegrecido pela noite e agitado pela chuva. De logo viu que não dava pé e a correnteza carregava-os leito abaixo. O vaqueiro pesava e ambos, aos poucos, afundavam. Quando a água bateu ao nariz do burrinho, tiveram certeza de que se afogariam. E de medo, o vaqueiro agarrou ao corpo do burrinho, que com muito custo agitou as patas e venceu a força do rio. Nadava. Aos poucos ambos boiaram n’água e atingiram a outra margem.
O vaqueiro não esperou o burrinho subir à terra firme, assim que sentiu o chão próximo pulou e partiu em disparada. Deixou o burrinho à sorte, sendo carregado pela correnteza. Custosamente, o burrinho voltou à margem e saiu da água. Porém não encontrou a recompensa. Viu apenas um cavalo, pastando naquilo que considerava seus pastos.
Na noite seguinte, viu ao longe o vaqueiro se aproximar e com ele mais borboletas. Animou-se: talvez hoje vaqueiro trouxesse sua recompensa. O burrinho esperou a chegada dele, solicito inclusive para uma nova travessia. Mas o vaqueiro não atentou ao burrinho; desviou seu caminhar rumo ao cavalo e lhe ofereceu uma cenoura. Depois ofereceu outra e mais outra e após conquistar a confiança do cavalo, montou-o e atravessou o rio.
O burrinho, de raiva, matou cada uma daquelas borboletas que voavam em seu redor e que acompanhavam o vaqueiro; pisoteou uma a uma, até se certificar de que nenhuma delas mais voaria. E deixou aquele rio porque não mais levaria alguém em travessia.


Imagem de autoria desconhecida.


1 comentários:

Felipe Nascimento disse...

rapaz, há refêrencias a uma história de Guimarães Rosa, ou estou enganado?

Cara, vc escreve muito