26.1.09

O terceiro ato


Ao entrar no palco para o terceiro ato, sentiu que ali seria o seu momento máximo da carreira. Envolto pelo cenário cru, uma e outra mobília esparsa, deixou-se invadir pelo personagem de maneira impossível de distingui-lo do ator. Que ele também percebeu. E havia a luz azul em penumbra, provocada pela iluminação: o clima certo para o monólogo. Deixou-se levar pelo ambiente, caminhou pelo palco insinuando sua interpretação. Fez movimentos pausados, gesticulou em dúvida, mas não lhe vinha a fala.
A platéia, quieta. Também se deixando absorver pelo ator em personagem. Porém em alguns abatia um incômodo, um sentimento de dor, de impaciência.
Do palco, encarou a platéia, fitando cada rosto compenetrado em suas ações. E começou a chorar, não porque tinha a impressão de que esquecera o texto, mas porque lhe era doloroso viver aquele personagem, era dum sofrimento pesaroso ser aquele personagem. Chorava compulsivo, chorava nervoso.
Era doloroso para o público permanecer, os primeiros já levantavam, claramente exaltados e perturbados, e saiam tentando, às vezes em vão, conter as lágrimas. Os que ficaram desviavam o olhar, tentavam procurar nalgum canto do teatro um escape à tangente, mas aquela penumbra azulada os envolvia e os petrificava. Não mais puderam resistir, pouco a pouco, retiraram-se. Ele permaneceu no palco e sequer notou que a platéia esvaziara. O terceiro ato era apenas ele, ator-personagem de sua tragicomédia.


Imagem de autoria desconhecida.

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