30.1.09

Feliz aniversário


Em redor do bolo, já não gritavam como crianças ensandecidas, nem aguardavam afoito a cantiga findar. Também não se agitavam todos querendo assoprar as velas. Mas guardavam nos olhos a docilidade pueril, a alegria de mais uma festa. Ela, aniversariante, como habitual, recolhia um ligeiro embaraço de ser o centro das atenções naquela noite. Porém era a sua noite, como também foi seu o dia todo. Dia em que os abraços trocados traziam a acolhida cálida, em os beijos molhados em seu rosto tinham o sabor da infância cúmplice, em que a pose para a foto lembrava irmãos de chapéu de festa e língua de sogra. E assim o dia todo teve cheiro e a aura de feliz aniversário.

Imagem de pecadodagula.com

26.1.09

O terceiro ato


Ao entrar no palco para o terceiro ato, sentiu que ali seria o seu momento máximo da carreira. Envolto pelo cenário cru, uma e outra mobília esparsa, deixou-se invadir pelo personagem de maneira impossível de distingui-lo do ator. Que ele também percebeu. E havia a luz azul em penumbra, provocada pela iluminação: o clima certo para o monólogo. Deixou-se levar pelo ambiente, caminhou pelo palco insinuando sua interpretação. Fez movimentos pausados, gesticulou em dúvida, mas não lhe vinha a fala.
A platéia, quieta. Também se deixando absorver pelo ator em personagem. Porém em alguns abatia um incômodo, um sentimento de dor, de impaciência.
Do palco, encarou a platéia, fitando cada rosto compenetrado em suas ações. E começou a chorar, não porque tinha a impressão de que esquecera o texto, mas porque lhe era doloroso viver aquele personagem, era dum sofrimento pesaroso ser aquele personagem. Chorava compulsivo, chorava nervoso.
Era doloroso para o público permanecer, os primeiros já levantavam, claramente exaltados e perturbados, e saiam tentando, às vezes em vão, conter as lágrimas. Os que ficaram desviavam o olhar, tentavam procurar nalgum canto do teatro um escape à tangente, mas aquela penumbra azulada os envolvia e os petrificava. Não mais puderam resistir, pouco a pouco, retiraram-se. Ele permaneceu no palco e sequer notou que a platéia esvaziara. O terceiro ato era apenas ele, ator-personagem de sua tragicomédia.


Imagem de autoria desconhecida.

16.1.09

O começo


Arrumou as malas e partiu. Feliz, porque agora sabia o destino. Feliz, porque vislumbrou um caminho. Feliz, porque enclausurou o ontem no mausoléu do passado. Feliz, porque a sua frente se abria um mundo mágico. Feliz, porque esse mundo mágico lhe trazia aconchego e conforto. Feliz porque suas dores já não doíam mais e toda a mágoa tornou-se uma cicatriz imperceptível. Feliz, porque a cada passo se reencontrava e ousava saber de novo quem era. Feliz, porque era criança e tinha o mundo mágico para desvendar e gostosuras para descobrir. Feliz porque agora tudo era novo e um começo. Feliz, porque sabia, de certeza, que estava mais uma vez sempre começando.



Imagem de autoria desconhecida.

12.1.09

Histórias


Se para ela, ele era uma página virada; para ele, ela tornou-se um livro fechado.


Imagem: Photoschau.