17.10.07

Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte


O cheiro da morte era perceptível ali, seu pisar fazia levantar um pó fino que impregnava nos seus poros e adentrava seu nariz; era difícil respirar. Aquele pó denso, forte trazia o cheiro característico da morte, cheiro só sentido quando ela nos rodeia. A terra estava seca, estéril após tanta vida morta sobre si; as carcaças e esqueletos semi-enterrados provavam que ali era o lugar da morte.
Mas a morte ali não estava, o lugar era vazio, um imenso vale decrépito onde a morte apenas havia. Mesmo sem a luz do sol, não havia escuridão... era tão-só a ausência de luz, como ausência de vento, ausência de calor – ausência apenas. Também não havia cor, era um cinza amarronzado, cor de pó, cor do pó das infinitas peles e dos infinitos corpos que ali jazeram. Havia ali um som, um grunhido abafado, lamurioso, mas era um som cego, surdo, que ele pensava ser o som do silêncio.
Cada vez que ele cutucava a terra com a bengala, fazia exalar o cheiro da morte; o golpe da bengala na terra era igualmente abafado, como se ali fosse proibido a propagação de qualquer tipo de som.
Vagou por aquele vale sentindo-se tão morto quando a morte presente no local; de fato estava morto... só morte havia ali. E já no final do vale, quando uma enorme pedreira erguia-se à frente, feriu a terra mais uma vez e dessa vez sentiu a terra fofa e um cheiro úmido exalado... olhou para o chão curioso e viu um pequeno dente-de-leão. Agachou-se. E sem arrancá-lo assoprou-o; ainda que andasse no vale da sombra da morte, era a vida que ali vingaria.



Imagem: Dente-de-leão, de Arthur Netto.

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