Conta uma história que há muito tempo, nas terras próximas ao reino das mil léguas havia outro reino e nele vivia uma princesa mui bela. Não havia homem que a ela olhasse que não cuidasse de se enamorar, por mais que rogasse a Nosso Senhor para não cair em paixão.
E essa princesa foi prometida em casamento ao herdeiro do reino do oeste, que distava demasiado longínquo. Mas era el-rey do oeste de tão alta honra e estirpe que honraria se aprazaria ao rei que sua filhasse o esposasse.
A princesa foi colocada num navio, que cruzou viagem pelos mares, rumando ao reino do oeste. Porém era de tão má índole o diabo, que invejando a felicidade da princesa e seu pai, no meio do percurso, tornou o tempo em tormentas e o mar agitado e a princesa e seus séquito temeram a morte. O diabo desviou o trajeto e levou-a para outras terras, muito mais distantes e perigosas.
Quando o mau tempo dissipou-se, o navio da princesa estava atracado numa terra que ela supôs ser uma ilha desconhecida. Chamou por um dos seus, mas não a atenderam. Haviam todos mortos. A princesa desembarcou e encontrou uma trilha; tomou o caminho e depois de perder a conta de quantas léguas caminhou encontrou uma taberna.
Após alguns dias em viagem e caminhando, a princesa tinha fome e por isso adentrou a taberna e pediu ao vilão que ali atendia por uma refeição. Enquanto ceava, reparou quão belo era o vilão, mas penalizou-se em pensamento porque estava prometida a el-rey do oeste e não cabia a uma dama comprometida olhar a outros homens. Quando terminou, fez menção de retirar-se, mas o vilão cobrou-lhe a refeição. Foi que realizou de que não trouxera consigo providências. Sem ter como pagar-lhe, o vilão sugeriu que ela o servisse de algum modo. Recusou; não cabia a damas da sua honra servir a vilania.
O vilão, porém, douto de que a princesa havia admirado sua beleza, usou de sagacidade:
“Mui bela senhora, se não me pagares haverei de ter minha honra atingida. E só poderei compensar a mim se também tiver a tua honra”, disse-lhe o vilão.
“Meu bom vilão, o que me pedes é deveras ultrajante. Jamais poderei pagar um prato de comida com minha honra que já é prometida a meu senhor el-rey do oeste”, replicou a princesa.
Ouvindo isso, o vilão avançou para cima da princesa e encurralando-a sem escapes, tomou por bolinar seu corpo e despiu-se na intenção de desonrar a donzela. Ela, sem ter a quem clamar, invocou o nome de Nosso Senhor e persignou-se. Nesta hora, o vilão urgiu em agonia e de seu corpo eriçaram pelos grossos, e seus olhos ficaram vermelhos e seus dentes pontiagudos e seus pés forcaram-se como os de um bode e seu corpo exalava enxofre e saiu disparado, porque diante do nome de Nosso Senhor nada pode o diabo.
Imagem de autoria desconhecida.