29.6.09

A rosa e os espinhos


Julian Gasmar, de dias, observava a rosa envolvida pela sebe. Sufocada, a rosa tentava respirar um pouco de sol. Julian Gasmar atinara-se de que precisava salvá-la dos espinhos, mas se perdia observando-a. Quis resgatá-la; teve as mãos arranhadas e conteve-se.
A rosa, teimosa, avançava pelo pouco espaço entre os galhos da roseira; teve rasgadas suas pétalas. Julian Gasmar tentou de novo, cuidando dos espinhos. Alcançava a rosa e mais densa ficava a sebe. Sentiu um pico e o sangue correu-lhe o dedo.
Dirigiu-se à botânica. E contou com pormenores sobre a rosa e a sebe e os espinhos e o pico e o sangue. E contou que queria de alguma maneira salvar a rosa, que precisava de alguma maneira salvar a rosa, que desejava de alguma maneira salvar a rosa, que haveria de alguma maneira de salvar a rosa.
O botânico atentou ao discurso de Julian Gasmar. Tudo ouviu e cerimonioso ponderou: “é o ciclo natural, Julian... as rosas crescem, florescem e morrem, umas nem florescem, outras perecem quando perdem a última pétala”. Tomou fôlego, fitou Julian Gasmar e calou-se. Não tinha a pretensão de fazê-lo revoltar-se com seu falso descaso. Queria que Julian Gasmar se apercebesse de que somente de si dependia a decisão de salvar a rosa.
Então lhe disse: “mas se quer mesmo salvá-la, Julian, faça-o! Meta a mão na roseira, abra espaço na sebe e salve a rosa, mas a salve intacta, protegendo suas pétalas e seu caule. Se quer mesmo salvá-la, Julian, afugente os medos de se ferir... é preciso se ferir para tê-la em seu vaso, ou ao menos ter a coragem de regatá-la mesmo podendo se machucar”.
E quando Julian Gasmar deixava a botânica, arrematou: “Julian, ou os espinhos da roseira machucarão tuas mãos ou sufocarão a rosa, cabe-lhe decidir o que doerá mais”.





Imagem retirada de: Grain 2 sels.

21.6.09

Outros abraços


De pelúcia e lacinho vermelho numa das orelhas. Os bracinhos era um tanto maiores, para que pudessem abraçar um ao outro. Duma forma cálida, representavam os cachorrinhos o amor deles e assim como as pelúcias haveriam de estar abraçados sempre.
Mas ele teve uma ideia: enquanto ficaria com a cachorrinha, ela levaria o cãozinho e mesmo que não estivessem juntos – trariam a lembrança do outro. E o espaço vazio do abraço de cada bichinho surgido pela falta do par seria preenchido por esta lembrança. Assim estariam, os brinquedos ou eles, sempre abraçados.
Quando cada um seguiu seu rumo, ficou o vazio no abraço roto de cada cachorrinho e também um desenho triste na face peluciada. Não mais voltariam a se atarem envolvidos, não mais um seria o par do outro. Até o lacinho vermelho perdeu o brilho.
Fitava a cachorrinha tenso e culpado, talvez porque visse nos olhos dela seu reflexo triste, mas estavam ali os dois, companhia e consolo das horas paradas. E sobreveio-lhe que precisava de se apartar dela.
Preparou uma pequena barca e lá colocou a cachorrinha; um impulso ao mar e barca partiu. Não podia garantir de que a barca não naufragaria como não podia garantir que estaria ali se regressasse. No íntimo, desejava que o vazio se preenchesse e que aqueles braços se encontrassem em outros abraços.




Imagem: "Abraço", de Cibele Krukoski.

5.6.09

Queira me bem


As mãos folheiam o jornal e os olhos argutamente focalizam imagens esparsas. Às vezes lê uma manchete. A cabeça, tombada de lado, o olhar enuviado... lá ao longe. Que pensa? que matuta? que relembra?
Olha-me e parece uma criança desprotegida demais pedindo um abraço. Olha-me e parece um pequeno garotinho com medo da falésia. Olha-me e sabe que eu estou ali, para segurá-lo quando titubear nos passos. E eu estou ali... toco-lhe e ele se conforta, aconchega-se no meu abraço e depois deixa-se perder nas páginas do jornal.
Os olhos azuis tornam e me fitar: reclamam agrado: queira me bem, meu neto!




Imagem de Marcin Tomczak.