21.5.10

Assalto



– O que tá fazendo?
– ... limpando a unha.
– Com a faca? Tá é louco? Guarda isso, pô; tá chamando atenção.
– Não tem uma alma na rua com esse frio.
– Mas também não precisa ficar exibindo a arma.
– Falando em frio, me passa o conhaque.
– Quanto tempo ele vai levar para acordar?
– Não sei, mas no carro sei que este aí nunca mais vai dormir.

Imagem de autoria desconhecida.

16.5.10

Carta de Nuno Thales da Hora a Julian Gasmar (2)


Sei que esta será mais uma correspondência sua sem resposta; aliás, elas já se somam dezessete. E serei breve. Não há como se apartar deste mundo, de um modo ou de outro estamos nele. Mesmo depois da morte, há sempre alguém a nos prender aqui. Não é culpa sua, não há como se proteger... de repente todos ficaram maus, como se o fogo interior houvesse apagado.
Todos seguem ao precipício tal as manadas e vão-se empurrando uns aos outros, derrubando ladeira abaixo os que estão a frente, até que o último bastião caia. Talvez a única saída seja caminhar ao oposto dessa manada. Do contrário, ambos cairemos.
Já se foi o tempo da inocência, já se foram os dias da condescendência, já se foram as horas da complacência. Tudo ficou tão cinza e frio. O pior que este fim se insinuava a nós, mas pouco pudemos fazer.
Julian, esta é uma caminhada solitária, tu tecerás tua rota e eu a minha, mas creia: chegaremos ao mesmo porto; o único lugar que nos sobrou. Seja qual for nossos rumos, o final deles será o mesmo. Mas durante o andar, só há uma coisa que sugiro fazer: cega-te, para que, vidente, deixe de ver o que não quer enxergar.


Imagem de Snap (Mixed Media)


4.5.10

Fragmento


Os dois se despiram e despiram também o falso pudor da cara, totalmente nus correu-lhes um arrepio de êxtase que estremeceu-lhes a espinha, um tremor de excitação que faíscou as costas e ramificou-se pelo resto do corpo, um arrepio frio do desejo incontrolável que aflorava sobre si, que crescia feito bomba explodida, cujo calor torra a carne, que aumentava feito o ar gelado que paralisa a razão, feito hipnose que lima a razão imediata dos pensamentos e imerge as almas na embriaguez emocional e descontrolada das sensações mais intrínsecas que teimamos aprisionar dentro dum eu puritano e repressor do eu pervertido.


Imagem de autoria desconhecida.